domingo, 27 de março de 2011

A felicidade da jovem Lílian




De: Lílian de Castro [mailto:liliandeccastro@hotmail.com] 

Enviada em: sexta-feira, 25 de março de 2011 19:28
Para: vinibtms@gmail.com
Assunto: Feliz!


- Que dia é hoje, professora? - Perguntou uma aluna quando pedi para que fizessem cabeçalho para a tarefa de hoje.
- Dia 25 de março de 2011, aniversário do meu melhor amigo: Vinicius Barbosa Teixeira Machado dos Santos!
- Nooooooossa! Que nome enorme!! - respondeu a maior parte dos alunos da classe em coro.
- Em nome e em pessoa! - Respondi eu, orgulhosa do amigo que tenho.

Hoje aconteceu uma coincidência, pedi para que meus alunos escrevessem sobre alguma pessoa sublime de suas vidas e trouxessem a letra de uma música que a lembrasse, certo aluninho do sexto ano, o Miguel Quinteiro, trouxe uma que lembrava seu melhor amigo e tive que me segurar para não chorar em plena sala de aula, lembrando aquele dia tão bonitinho em que fizemos um CD de feliz aniversário pra ti, que virou moda depois... se cada pessoa importante em nossas vidas (para mim) tem uma música, a sua, mais que a da Vivi (se você tiver lido meu blog) é a mais cabível de todas:

Canção Da América

Amigo é coisa para se guardar

Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir

Mas quem ficou, no pensamento voou

Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar

No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier

Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.


Vivi Bululu, meu amigo dos amigos, que sentou comigo e conversou tantas vezes quando precisei de ajuda... que construiu parte do que sou, que virou meu irmão e que viajou pela Europa comigo (coooof cooof), fala sério! Para nós, ali naquele ensino médio no Nova Era Vestibulares, isso era previsível sim, tão previsível que imaginávamos e fazíamos planos sobre, claro, sem a pretensão de realizar, mas somos o que podemos ser, né? E com uma pessoa tão maravilhosa como você, não poderíamos ser melhores! Mentira! Poderíamos e podemos, sim! E é isto que te desejo no seu aniversário de 23 anos, crescimento pessoal (que de tamanho chega né, bem!?)... que você nunca se dê por satisfeito, que sempre queira se instruir, viajar mais e que sempre ao final de cada jornada pense: "Nossa! Eu podia ter feito mais! Mas tudo bem, vou fazer esse mais naquele outro plano que eu tenho para a próxima!" e que obviamente esteja incluído na sua reflexão: "Lá estarei eu e a Vivi e o Nanicão, se não estiver com a gente dessa vez, vai nos visitar e vamos dormir em aeroportos, na mesma cama não pelo amor de Deus, vamos passear, vamos em vários Hard Rock Cafés e eu sempre me cuidarei para não vomitar na frente da Lílian de novo!"...

Vinição, já temos história! E querendo ou não, a nossa história é juntos e fico feliz de hoje perceber que temos várias almas gêmeas em nossas vidas, você é umas das minhas (não preciso de uma gracinha aqui para saber que você tem maturidade suficiente para compreender o que digo), obrigada por ser meu irmão!

Amo você,
beijinhos
saudades!
Lili! ^^

P.S.: Não escrevi mais cedo porque passei o dia inteiro com dor de barriga!
P.P.S: Tô sem seu msn!

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De: Vinicius Santos [vinibtms@gmail.com] 

Enviada em: sexta-feira, 26 de março de 2011 3:17:32
Para: liliandeccastro@hotmail.com
Assunto: RE: Feliz!


Primeira coisa: Realmente você escolheu a palavra exata para definir o assunto do email. Engraçado que ela também definiu meu estado de espírito após essa leitura. Um suspiro e uma felicidade enorme! Muito obrigado.

Bem, realmente esse meu nome enorme impressiona. Sempre impressionou, desde os coleguinhas da escola primária, onde eu me sentia inflado por ter um nome que diferenciava-se do nome da maioria, até as pessoas com as quais trato atualmente, como os europeus que também comentam, dizendo às vezes que é um problema ter um último nome, coisa que aqui possui ampla utilização, como numa lista bibliográfica, composto por quatro longos nomes, para eles quase impronunciáveis.

Mas essa pequena irritação que eles sentem, como a moça do banco que não sabia o que fazer para escrever meu nome no cartão de débito, não me incomoda nem um pouco. Isso porque eles não conhecem essa grande pessoa sobre a qual você escreve. E antes que isso pareça auto-promoção, me defendo...

Não conhecem porque não se dispuseram a estar do meu lado, compartilhando segredos e trivialidades, muitas vezes acompanhadas de longas e boas risadas. Ou ainda de boas e construtivas discussões, que semearam, aliás, que reviraram o terreno dos meus pensamentos para só depois germinarem em reflexões que mudaram inúmeros pontos de vista. Também, porque não se arriscaram a pensar os anos futuros dividindo vivências, tempo e até mesmo um provável “ganha-pão” (lembra quando falamos sobre a sua confeitaria? Era no começo do meu curso, e disse que cuidaria da parte financeira, ai ai.. quantas voltas esse mundão dá né!?). E também nunca se empenharam em realizar conjuntamente alguns planos, como peças de teatro na escola, curta-metragem trash demaaaaaisss, mestrados (hum... esse parcialmente realizado né, Mestranda? ;D) e uma viagem para Europa (COF COF COF =P). E o melhor de tudo: nunca se imaginaram se encontrar no meio da caminhada da vida para sentar, tomar um café e rever todas essas coisas, sentir e desfrutar de uma boa nostalgia e planejar novamente o dinâmico do que virá!

Concluindo minha defesa, isso tudo mostra o quanto me encontrar com você teve, e tem, importância para minha vida. Com você, e todo o nosso grupo eterno, aqueles que sempre eram certeza nas idas ao cinema do Buriti Shoppis, aprendi a importância de uma amizade, madura o bastante para ser eterna, permeando toda uma, ou várias vidas. Sendo assim, o elogio também vale para você, GRANDE! Devemos muito do que somos às pessoas que caminham conosco, e olhar para o lado e saber que você estará lá, ou então chegará lá se eu precisar, para compartilhar a essência da existência, inquieta e conforta. E  bacana é saber que depois desses encontros damos os próximos passos sendo pessoas melhores!!

Muito obrigado por existir!
Amo você nanicão!

P.S.: Sarou do piriri? =P


quinta-feira, 17 de março de 2011

Viver


Ontem li a Sutra Sagrada da Seicho-No-Ie pro vovô e pude relembrar uma parte que não lembrava, está bem fixo em minha memória que a doença não existe no mundo real, mas não lembrava que ali também está dito que a tristeza também é  ilusão e percebi que, por inércia, sou sempre uma pessoa feliz e nunca me deixo abater pela tristeza. Mas é claro que tenho motivo para isso, sou rodeada de pessoas sublimes e não há tristeza que me vença, porque se é que ela chegue, meus amores não deixam, corro pra chácara!!

Sabe, ultimamente não estou muito inspirada a escrever belos textos, mas existe uma música que, nos últimos tempos, me motiva a digitar, Gospel, do Raul Seixas. E lerda que sou só parei hoje pra pensar sobre ela... "Nossa, a batidinha dessa música parece daquelas músicas de igreja norte americana... (momento de silêncio mental) Aaaaaaaaah! Entendi!" e a letra dela é tão no meu ritmo também, uma poesia de questões corriqueiras da vida...

Daí que eu gosto de ver fotos ouvindo músicas e resolvi relembrar os momentos com a Vivi, na Europa (jogo o cabelo pra trás), Gospel me lembra as músicas country que papai ouvia quando eu era criança... mas no carro, quando viajávamos, a balada da noite era Alma Gêmea, do Fábio Jr. Sim, hoje todo mundo acha brega, mas eu sempre, seeeempre senti profunda vontade de chorar, mesmo aos 5 anos de idade, ao ouvir esta canção. E sabem quem é a pessoa na qual todos os dias sem excessão pensei ao ouvi-la? Aos que me conhecem.... e aos que já me leram um pouquinho, a resposta é óbvia: na Vivi.

Durante a infância (me lembro perfeitamente), deitada no banco de trás do carro com a mana, enroscadas de sono, perna pra cima, braço pro lado, cabeça no colo da outra, bochechas coladas, quando essa música tocava, eu pensava nela e tudo começou porque ele canta melodiosamente "Carne e unha, alma gêmea, bate coração, as metades da laranja, dois amantes, dois irmãos" e eu ficava horrorizada "Como ele chama o irmão dele de amante???"... ali na minha pequenez interpretativa dos 5 anos, escolhi a música perfeita para minha menina dos cachinhos, parceirona, chata, mas não entendia o direcionamento do Peninha. Não sei se ele cometeu o erro de escrever esta música para uma amante sexual (e sei que a música deve ir pra esse lado mesmo), mas me orgulho de poder dizer que meu direcionamento para a obra dele não poderia caber melhor! Foi para uma das sublimes pessoas da minha vida e sou feliz em dizer que não vivo em ilusão nesta vida, porque tenho as melhores pessoas do mundo em mim!


P.S.: Vejam se não tive um lapso de maturidade ingênua na infância:

Alma Gêmea - Peninha

Por você eu tenho feito
E faço tudo que puder
Pra que a vida seja
Mais alegre
Do que era antes...

Tem algumas coisas
Que acontece
Que é você
Quem tem que resolver
Acho graça quando
Às vezes louca
Você perde a pose
E diz: "foi sem querer"...

Quantas vezes
No seu canto em silêncio
Você busca o meu olhar
E me fala sem palavras
Que me ama, tudo bem
Tá tudo certo
De repente você põe
A mão por dentro
E arranca o mal pela raiz
Você sabe como me fazer feliz...

Carne e Unha
Alma Gêmea
Bate coração
As metades, da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças, que se atraem
Sonho lindo de viver
Estou morrendo, de vontade
De você!

Quantas vezes no seu canto
Em silêncio você busca
O meu olhar
E me fala sem palavras
Que me ama, tudo bem
Tá tudo certo
De repente você põe
A mão por dentro
E arranca o mal pela raiz
Você sabe como me fazer feliz...

Carne e Unha
Alma Gêmea, bate coração
As metades, da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças, que se atraem
Sonho lindo, de viver
Tô morrendo, de vontade
De você!

Bate coração!
As metades, da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças, que se atraem
Sonho lindo, de viver
Tô morrendo, de vontade saudade
De você!



P.P.S.: Isso não muda o fato de que vamos brigar quando você voltar!
P.P.P.S.: Mas eu a amo.








terça-feira, 1 de março de 2011

Sou o que leio.



“Olhando para fora da parati branca, quadrada, no trânsito congestionado de São Paulo, se dirigia para fora, lia o letreiro de alguma propaganda qualquer, ele era amarelo, ela tinha sete anos, o pai no volante, ela atrás, voltava da escola e admirava quatro ou cinco palavras escritas”. – A lembrança mais antiga que tenho com as letras.
Aprendi a ler na escola, aprendi a entender o que lia com meu pai, aprendi a oratória com minha mãe e a amar ler com o curso de Letras e foi esta a função de formação de leitores que a universidade exerceu em mim.
Na verdade, narrar como formei a leitora que sou hoje, desde que entrei na universidade, exige que conte como resolvi entrar... Principalmente porque imagino que seja possível contar em poucos dedos quem são aqueles alunos que não entraram para as Letras se não pela literatura.
Prestei o vestibular para este curso porque amava escrever, amava escrever porque amava meu pai, ele é escritor e amava ler, por isso me obrigou a ter esse sentimento tão carinhoso pelo hábito, que inicialmente era conflituoso justamente pela obrigação. Minha relação com a leitura sempre foi de amor e ódio, sempre! Inclusive hoje.
Minha infância se dividiu em duas fases, a dos pais casados e a dos pais separados. Nasci e cresci em Goiânia, mas fui alfabetizada em São Paulo, onde morei dos quatro aos sete anos. Essa fase da vida foi casada, aos finais de semana, fora os passeios comuns, fazíamos, eu, meus pais e minha irmã, passeios cultos e comuns para os paulistas, visitávamos bienais, feiras do livro, exposições.
Nessa época meu pai trazia livros para mim e minha irmã que trouxessem lições de vida para o caráter e a personalidade tão evidente que tínhamos. Outro ponto importante é que não posso falar de mim sem falar da Vivi, minha mana. Certo dia, meu pai trouxe para Vivi o livro “Rita, não grita!” e lemos juntos para que ela compreendesse como era escandalosa. Para mim, papai trouxe “O reizinho mandão” e também lemos juntos para que eu entendesse que não era bom mandar nas pessoas como eu mandava aos seis anos de idade. Não adiantou muito para nenhuma das duas, mas nunca pecamos pelo desconhecimento.
Éramos uma família como a dos ursos da Cachinhos Dourados, sentávamos à mesa todos os dias para almoçar, cada um no seu lugar, líamos a oração da refeição em voz alta e Vivi e eu sempre brigávamos para quem ia ler. Nas minhas memórias o texto era enorme, mas aos treze anos de idade encontrei este livrinho de orações e me dei conta de como mudamos nossos pontos de referência de dimensão das coisas, inclusive dos textos.
Na verdade, após ter esta percepção, procurei por textos que eu amava pela recordação e julgava grandes. Encontrei, minúscula, a história do Marreco na cartilha em que me alfabetizei, uma historinha que lia e relia, que me encantava e me fazia sentir uma grande leitora, de cinco linhas. Reli meu romance predileto da pré-adolescência: “O safári dos montros” e me arrependi depois, pois me desiludi com a (des)complexidade dos enigmas e mistérios do livro.
Quando voltamos para Goiânia e meus pais se separaram, o único programa literário que tivemos tempo de fazer foi o dia em que papai me levou com todos os irmãos para a gibiteca da Praça Cívica, eu, a mais velha, com nove anos.
Como meu pai se mudou para a mesma rua que a gente já morava, para que mesmo assim pudéssemos nos ver todos os dias, todo final de semana passávamos com ele no apartamento e enquanto meus irmãos brincavam no pátio do prédio, lá no quarto andar, na janela acima, eu lia, resmungando no início, entretida no final, quase todo domingo, um livro literário, dos quais vez ou outra pulei páginas e me confundi na hora de contar a história para o doutor pai, que me fazia ler de novo.
Dessas obras de fim de semana, a que mais marcou tudo que ainda sou, foi o “Sobradinho dos Pardais”. Como chorei, aos dez, onze anos de idade, ao ler a história sofrida dos passarinhos que saem da mata e vão para a cidade sofrer. Indiquei a leitura a quem pude, fiz minha mãe ler e me contar o enredo assim como meu pai fazia comigo e por fim, ele acabou jogado numa caixa de papelão, perdeu-se em uma das várias mudanças.
Observei diversas vezes que meu pai passava horas de frente pro computador escrevendo qualquer coisa demorada que me impedia de brincar no paint, foi aos 12 anos de idade que de repente me dei conta que ele era um escritor e que estava a lançar o livro “O Pasto do rebanho”, inspirado na obra de Fernando Pessoa.
Sempre me orgulhei de contar a todos que meu pai escreve e guardei a matéria do jornal comunicando o lançamento de seu primeiro livro, quando uma amiga ia em casa, orgulhosa, eu mostrava.
Toda vez que eu fazia alguma coisa errada, minha mãe pegava o livrinho de orações da Seicho-no-ie, nossa religião, e me colocava para ler em voz alta, para que ela pudesse ouvir da cozinha. Eu no quarto, lia para ela, que já tinha o livro de cor, as orações em forma de poema.
Tinha que recitar, cada vez que li aquele texto da Sutra Sagrada, compreendi algo que ainda não tinha percebido e não faço a menor ideia de quantas vezes o li, já que lia nas doenças, nos castigos, nas cerimônias, nos agradecimentos, nos pedidos e aonde mais o pudesse encaixar. Ainda hoje, quando leio os versos poéticos daquelas orações, compreendo melhor o ensinamento dessa religião oriental, na qual cresci. E minha mãe não só formou a boa oradora que sou, mas também me mostrou que o caminho do texto é o da releitura.
“Assim! Isso é bom para eu refletir também, se a gente for pensar, toda nossa criação foi pela leitura: a diversão, os castigos, as recompensas, os problemas e as soluções” – Comentou o Vinícius, mano rapa de tacho de mãe e pai, depois que li para ele parte do que já tinha escrito aqui.
Também outro dia, numa conversa com a Dassa, entendi que os irmãos formam nosso caráter. A Vivi sempre foi meu ponto de referência, praticamente minha irmã gêmea, um ano de diferença de idade. Por isso, sempre me esforçava para ler, mesmo que tivesse dificuldade em deixar os muros, as árvores e a terra, simplesmente porque ela devorava seus vinte livros por férias e eu não podia ser a analfabeta da família, pensava, principalmente sendo a mais velha.
Então, quando entrei pro ensino médio e pensei que fosse estudar sem a sombra da irmã, meu pai conseguiu fazer com que ela não fizesse a 8ª série, a progrediu direto para o ensino médio, para que estudássemos juntas e tivéssemos o mesmo bom ensino. No início relutei em aceitar, por fim, encontrei nela a melhor amiga, a melhor professora e a irmã mais chata.
Aprendi gramática com a mana e foi a mana que sempre me repreendeu nas treslouquices e ininterruptamente me aconselhou e me ouviu. Foi ela quem me incentivou a ler, a fazer teatro e a ler todos os Harry Potters, por amor e por competição. E por causa dela também, que para todos passaria de primeira no vestibular, pensei em escolher um curso que me agradasse, óbvio, e que eu não corresse risco de ficar para trás. E foram todas as indicações dela que sempre li sem receio, pois ela sempre soube me indicar boas leituras.
Depois de tanto raciocínio, de tantas ponderações, de pensar não só nos conceitos infantis, optei pelo que não via como obrigação para ser minha profissão, pensei que dar aulas, por mais que fosse um trabalho, nunca me daria sono, sempre me envolveria... além do que, a leitura, fora da competição com a irmã, já me agradava e sempre me fez entrar em conflito interno, por que não Letras? Só me vinham “Sims” à mente.
Quando entrei para o curso de Letras, ainda era uma adolescente de dezessete anos, não fosse a carga literária que eu já tinha, teria sido muito mais difícil passar do primeiro período. Tornei-me adulta dentro da Universidade Federal de Goiás. E não só pelo tempo, cronologicamente pouco, que estive ali, mas pelo que ela me construiu de reflexão.
Mil vezes entrei em sérias crises existenciais por tudo que li no meu curso de graduação dentro da Letras e nos cursos de Núcleo Livre. A pessoa que entrou nesse curso, em março de 2007, foi uma menina preconceituosa, homofóbica, com claro conhecimento de que necessitava muito mais conhecimento do que tinha e que iria conseguí-lo durante o curso.
A pessoa que se forma nesse curso e que nunca sairá dele, porque uma vez dentro se torna parte dele, é uma adulta, com menos preconceitos e que tenta combatê-los, sem homofobia, com claro conhecimento de que aprendeu muito, mas necessita muito mais conhecimento do que tem e que, por meio de suas leituras, estará em constante renovação.
Por mais que eu tente, não consigo me lembrar das minhas primeiras leituras na universidade, lembro bastante das discussões de textos de redação de vestibular com a professora Mary Fátima. Lembro inclusive, que já no segundo ano de faculdade, quando comecei a lecionar, esta mesma professora se aposentou e na porta de seu gabinete, deixou uma pilha de textos na porta, no chão e me avisou para que, se eu quisesse, pegasse alguns, óbvio que peguei.
Dentre os achados, encontrei umas sessenta cópias de um texto de meados dos anos 80, sobre as minorias sociais não serem minorias quantitativas e como usei este texto com meus alunos e promovi debates em sala de aula e internos.
Lembro claramente dos livros, mas não me lembro do que falavam, eram livros de introdução à linguística e de introdução a literatura. Recordo nitidamente que meu primeiro ano foi o mais conteudístico, o que, apesar de saber que não, mais me parece ter lido e estudado e o ano em que discutia com meu pai, que também fez Letras, sobre como eu estava sabendo mais teoria que ele. Engraçado que eu não sabia nada, depois percebi que, na verdade, quanto mais estudamos, mais necessitamos estudar, mais percebemos que ainda sabemos pouco.
As matérias de literatura do primeiro ano, com a professora Sueli Regino nos dois períodos, são as que mais ficaram na memória, mesmo que eu lembre desses dias como se fossem na infância, posso ouvir sua voz fina e doce dissertar sobre as influências do Rei Luís XIV, o Rei Sol, na arte... sobre narrativas de moldura e inclusive contar sobre histórias de Sherazade, falar sobre Racine, o que me faz lembrar o romance que lemos: Don Ruan, de Molière, que me fez perceber, na época, que eu tinha um namorado problemático, visto que se identificava com ele exacerbadamente.
E foram analogias, complicadas assim, que fiz com quase todas as boas leituras que fiz. Exatamente por isso continuo lendo, quero ver se sempre terei epifanias. O fato é que a boa leitura normalmente me deprime, por isso digo que ainda mantenho certa relação de ódio com ela. Qual constantemente provoca mudanças em minha vida e crises existenciais (o que com os textos que leio dentro do curso de Letras são muito mais intensas), como quando li “As Moscas”, de Jean-Paul Sartre e resolvi me eximir de culpa, não funcionou, mas me acrescentou.
As leituras que esta professora indicava, sempre tinham um pé nas artes cênicas, formada que era em Belas Artes, lemos também “Édipo Rei”, “Lisístrata” e “Boldas de Sangue”.
Nos outros anos do curso me ative a teoria literária, como a maior parte dos alunos, preterindo o estudo dos romances pela crítica, o que sempre achei um erro, mas o cometia, sempre com a justificativa das aulas que eu lecionava e das provas que chegavam, enfim, minha muleta sempre foi a correria cotidiana.
Apesar disso, foi com os textos teóricos da área da educação, durante os estágios, que mais refleti sobre a vida acadêmica, profissional e pessoal. E com o que hoje leio nas aulas de fundamentos sócio-históricos da educação, de Bourdieu, Weber, Marx, Adorno, entro em sérios conflitos, realmente me incomodo, repenso conceitos construídos durante toda a vida e isso não é nada confortável, ainda assim procuro por essas reações, porque, inclusive pelo que li deles, o indivíduo tem que desconfiar do bem-estar.
Logo, a leitura sempre me acompanhou, sinceramente, as vezes imagino que sempre li, nasci lendo. Foi por isso também que me vi, como professora, na obrigação de incentivar este hábito nos meus alunos.
Espero que não continue pensando assim, espero que amanhã quando eu ler este memorial, eu perceba quanto falta de detalhes nele, que acrescente outros parágrafos e que nunca me dê por satisfeita. Atualmente, ainda com a pouca maturidade que tenho, defendo a leitura como formadora de cada traço que temos em nós, desde a leitura genética, da leitura de mundo, inconsciente e ora ou outra coletiva à leitura mais consciente e crítica que possamos chegar. 
Afinal, é pela leitura e combinação de genes que nos encontramos aqui neste mundo, biologicamente, para lermos com os olhos da alma.





(Parte do memorial anexado em meu TCC, espero que tenham paciência de ler!)