quinta-feira, 6 de maio de 2010

A Feliz adaptação de Policárpo

Se criticar é apontar defeitos, me eximo deste texto. No penúltimo final de semana fui a São Paulo com vários pretextos, dentre eles o de assistir o espetáculo Policarpo, do diretor Antunes Filho, a peça valeu, por si só, toda a viagem.


Feliz adaptação do romance "O triste fim de Policarpo Quaresma", de Lima Barreto, o espetáculo instiga, atrai, mantém a atenção totalmente voltada à cena. O próprio título original já denota a narrativa, Policarpo não terá um final feliz, mas o importante não é nem de longe este pequeno detalhe. O importante é todo o conflito pátrio, ufânico que o personagem principal vive, qual é frustrado. 

Policarpo é um homem voltado ao seu povo, a sua nação e a sua cultura, mas em nenhum instante obtém sucesso no seu esforço para com o Brasil. O essencial de toda a história são as metáforas que a englobam, num texto escrito para um leitor atento, isto é quase óbvio. Mas como transmitir todas as metáforas para o palco de forma que não deixassem a autenticidade e se tornassem clichês, ícones vazios? Antunes Filho encontrou em sua direção, em sua adaptação textual, a fórmula para a charada e conseguiu cenas tão brilhantes, que mesmo cômicas, irônicas, se tornaram emocionantes de tão belas, estava eu ali dançando com os atores, indignada por vezes, cantando, vivendo a apresentação.

O ingresso vale a pena somente para ver Policarpo sapatear o Hino Nacional Brasileiro, prova de que o bom ator não precisa falar, basta-lhe a expressão corporal. Expressão esta que estava presente e autêntica em todos  os personagens, mesmo os figurantes, que compuseram lindas cenas, tornaram-se parte delas, do cenário, do tempo, do conflito, da loucura do major.

Para quê gritos? Para que delírios a fim de demonstrar a loucura? O melhor é encontrar moldes onde tudo isso se configure numa única cena, em um único personagem que dança sem música, sozinho, com um boneco. E foi assim que Antunes usou as metáforas: nas cenas, nas músicas, nas expressões. Mostrou que a linguagem não se resume ao idioma, que todo o homem é comunicador.

E com toda a soma desses elementos instigou-me a ler um livro que não tem a mesma dinamicidade da peça, não tem a ironia tão saborosa, tão  afinada afiada. Esta adaptação é um achado porque faz o mais difícil, supera o original. 

E nos assusta ao mostrar que a problemática que Lima Barreto enxergou, em 1915, ainda sofremos. Pior! Precisamos de espetáculos como esse para atentarmo-nos. São peças assim que instigam o pensamento e o senso crítico, que me orgulham de ser brasileira e me trazem uma pontinha do quão provinciano os goianos ainda são com o teatro e a arte.

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