Hoje havia no livro de português dos meus alunos a proposta de escrever um testamento, resolvi, então, sentar e escrever o meu junto deles. Na verdade, no início ele ficaram chocados com o exercício, pois, "Professora! Ninguém aqui quer morrer não!" e tive de explicar que não era uma carta de suicídio e sim de "o que você deixará de valioso para quem ficar aqui, quando você morrer".
Testamento
Hoje, sendo eu a pessoa que
me construí e que os outros construíram, com o que experiencio, com o
que sinto, aprazeio, sofro, vejo, quero, rio, percebo e envelheço, deixo, para
cada um que faz parte de mim, uma parte de mim.
Deixo à vocês o prazer de
ensinar, a paz - por mais tumultuada - de viver entre alunos. Entrego-lhes e
levo comigo também de bom grado todo o amor que consumo e me consome, todo este
amor que me é dado, outrora arrancado, talvez adormecido, acordado e
reacordado, mas sempre estimulado, enfim, o amor que dedico e o que recebo.
Apresento-lhes, para que não
pequem pelo desconhecimento, a responsabilidade. Não aquela das horas, dos
dias, dos eventos, das contas... a responsabilidade dos compromissos com os
seres, da paciência com o outro. Presenteio-lhes com a coragem de tomar
decisões ou de voltar atrás nas precipitações.
E mais do que tudo, deixo o
perdão, porque quem perdoa, mesmo o desconhecido, ama.
Dos bens materiais, tão
medíocres, deixo todos à quem quiser... a cama bem e mal dormida, o computador
quebrado, os livros lidos, dedicados, os desenhos. Dos desenhos, deixo a
inspiração, da dor a maturidade e dos risos o prazer. A prazer, completude,
maior que ser feliz? Por isso, divido com vocês toda a felicidade que senti
nessa vida tão feliz. E a saudade também, sempre senti saudade: do tempo, das
pessoas, dos dias.
A herança que deixo é a da
experiência.
E para os filhos que ainda não
tive, os homens que ainda não casei, o irmão que não conheci, os amigos que não
cativei, deixo a vontade de tê-los tido em mim.
E para que nunca se esqueçam de
mim, sem explicações de sentimentos que não sei definir, enriqueço-os com
minhas lembranças tão bem cuidadas e retidas. E posso afirmar, já que depois de
mortos temos toda razão, que o segredo da raposa é verdadeiro "O
essencial é invisível aos olhos" - "Tu te tornas eternamente
responsável por aquilo que cativas".
Acima de tudo,
sempre com amor àqueles que me
conhecem por
Lili.
Obs.: Escrevo também, para que não se esqueçam da importância da
poesia, um poema:
Mim
Não sou eu uma forma
geométrica
qual posso descrever aos mínimos
detalhes
sem mutações.
Formo-me assim todos os
dias,
nas experiências que tenho,
no que exijo de mim e no que me
afeta.
O importante é que seja eu o que
for ou passo, sou feliz.
5 comentários:
NOssa... Que coisa mais linda... Nunca vi um texto seu tão maravilhoso...
Você é a escritora! Leria os seus textos todos os dias...
Gosto muito, GOSTO MUITO!
Poema maravilhoso, guarde-o, deveremos precisar dele.
já que você deixa o que é material para quem quiser vou pegar a caixinha de som.ahauauauh.
brincadeira.
Adorei seu testamento, ainda bem que você deixou pra mim o que eu não vou perder quando tiverem que ler o meu.
Porque td mundo comenta aqui e ninguem comenta no meu??? ='(
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