terça-feira, 28 de maio de 2013

Carta ao passado - Um parágrafo descontextualizado de três.


Me falou assim: "Eu vou saber que é pra mim até quando você for uma velha caquética". Mas eu só ia postar depois de muito tempo.

Tempos atrás escrevi uma carta ao passado, um texto ruim, apaixonado, sincero... cego: 

"[...] Te quero dias de extremo amor e liberdade e quero que nesses seus dias livres, possamos ser sempre o que somos, sem que qualquer pessoa tolha seus direitos de vida ao vento. Quero que você seja cuidado, que te façam massagem e que te tragam café na cama, quero que você seja ouvido e que tenha apoio, quero que te deixem pensar com sua própria mente. Quero que você seja embrulhado a noite por cobertores e pernas. Quero que sua vida seja tão feliz quanto eu observo que você merece e precisa. Quero que você possa sair, dançar, beber e cantar e que te achem lindo pela vida selvagemente urbana que leva... e que você possa descansar nos dias de fadiga ou aos domingos no campo. Quero pra você, tudo que desejo ardentemente para mim e, neste breve momento, quero ser também a executadora de cada vontade que tenho para ti. Neste breve momento. Acho que descobri o sentido de amar e, provavelmente, não foi pra você que descobri este sentido, mas quero esgotá-lo em nós, até que se renovem os dias, os locais e as pessoas de olhos puxados e gosto particular...".

Tudo isso passou, tenho aqui o recorte de uma carta não entregue de um momento que lembro mas não compartilho, acho que isso é o que chamei esgotamento, aquele instante em que não há uma gota a mais para cair e ninguém pra molhar também, aí a gente joga a toalha, pede arrego e começa tudo de novo numa outra vida... nossa! Chego a sentir o cheiro da preguiça que essa dinâmica me traz.

Um comentário:

marcos cristiano dos reis disse...

você escreve bem. gostei do seu blog.

essa carta ao passado lembrou-me um conto que escrevi certa vez. lembrou-me também de um poema escrito por Hannah Arendt:
"Elas surgiram do lago estagnado do passado —
Essas muitas memórias.
Figuras enevoadas arrastaram os círculos ansiosos de meu encadeamento
Atrás de si, sedutoras, ao seu objetivo.

Mortos, o que quereis? Não tendes lar ou família em Orcus?
Finalmente a paz das profundezas?
Água e terra, fogo e ar, são vossos servidores como se um deus,
Poderosamente, vos possuísse. E vos convocaram

Das águas estagnadas, pântanos, charnecas e açudes,
Reuniram-vos, unificados, juntos.
Brilhando no crepúsculo cobris o reino dos vivos com neblina,
zombando do “não mais” que escurece.

Nós fomos brindar, abraçar-nos e rir, e relembrar
Sonhos de tempos passados.
Nós, também, nos cansamos de ruas, cidades, das rápidas
mudanças de solidão.

Por entre os barcos a remo com seus pares amorosos, como jóias
Em lagos nas florestas,
Nós, também, poderíamos fundir-nos quietamente, ocultos e envoltos nas
Nuvens indistintas que breve

Vestirão a terra, as margens, o arbusto e a árvore,
Esperando a tempestade.
Esperando — fora da neblina, do castelo de nuvens, loucura e sonho —
A tempestade que se eleva e se retorce".

(Poema escrito em 1943, nos Estados Unidos. Arendt acompanhava os acontecimentos da Europa com atenção e desfrutava de um pouco de paz.)

Mas sobretudo pareceu-me um lamento...