Eu sou aquela que nasceu e não
sabia pra quê, mas o mundo avisou, depois que algumas pessoas já tinham
percebido. Porque, às vezes, existem aqueles indivíduos ao nosso redor, que
normalmente muito nos querem bem, e eles tem a capacidade da percepção, observam
em nós aquilo que ainda não nos demos conta.
Quando mudei para o apartamento
novo com a mãe e a irmã, o quarto que escolhi media 10 por 10. Era um quartão!
Ainda tinha o guarda-roupas embutido, o que me lograva um espaço útil maior
ainda. Pintei as paredes, coloquei a cama de casal, troquei a cama por uma de
solteiro, uma escrivaninha, uma tinta por cima dos desenhos, duas cores
diferentes para as paredes, finalizei com uma cortina preta pro sono de sábado
e domingo e do final da tarde. O quarto ficou eu e eu adorava ficar naquele
quarto, ele era uma extensão da minha alma bagunçada.
Ocorre que, certa manhã, quando
voltei às 4 para tirar o cochilo da tarde, ele tinha diminuído meio metro
quadrado. E cada dia que eu chegava, meio metro comido, aos poucos meu quarto
atingiu os 4 por 4. Surpresas da vida, um dia cheguei em casa e ele era um
corredor entre a escrivaninha e a cama. A escrivaninha tinha virado o balcão da
cozinha.
Um domingo, depois de passar o dia
na chácara, quando volto para casa, o banheiro tinha entrado dentro do quarto.
Meus cremes, minhas maquiagens, meus sabonetes, shampoo e creme dental, que eu
sempre escondi as marcas dentro do guarda-roupas, tinham sido engolidos, aquela
minha máscara de 250 reais violeta matizadora, para desamarelar cabelos loiros,
meu irmão preto e castanho tinha usado metade.
De baixo daquele telhado tudo era
engolido, seis anos atrás comeram minha Nutella toda na única prateleira que
sobrou no meu corredor entre o balcão da cozinha e minha cama. Daí que acabados
os produtos da natura semana passada, comecei a usar o shampoo e o
condicionador para cabelos cacheados da minha irmã, era o único que tinha no
banheiro e deu um efeito interessante nos meus cabelos lisos. E o Koleston da
minha mãe... O creme de barbear do outro irmão pra depilar as pernas mais
fácil... Foda-se, eles comeram o pedaço de lasanha que eu trouxe da sobra da
festa e eu tô precisando de um brinco... da Vívian.
A gente se desgasta por dentro
por essas miudezas do cotidiano e abate o outro, vai ficando complicado viver
junto, aí a gente aprende até a parar de reclamar a invasão, ou melhor, começa
a maldizer pra dentro, aliás, com o tempo, até começa a deixar de propósito o
creme dental melhor na pia e o sabonete íntimo no chuveiro, porque “vá, todo mundo
merece um pouquinho de colgate branqueador” e “todas as mulheres dessa casa
(que vem diminuindo progressivamente) tem direito a um sabonete refrescante pra
xoxota”.
É um amor confuso, um afeto
complicado. Não é mais como na infância que todo mundo usava o Neutrox que
agora enfeita a janela do banheiro e eu só abro pra sentir nostalgia no nariz.
Passou a fase de brigar com os meninos porque estavam queimando acetona no
fundo de casa e, na real, achar uma experiência química ‘daora’. Acabaram os
bombris queimados a noite e o pique - esconde no quintal, fim bolinho de lama
que eu obrigava o Vini a comer. Acabou, mas o amor cresceu, só não cresceu
junto o apartamento. Só não veio com os centímetros a mais (não me venha com
essa piadinha velha de tamanho again) a certidão de dona da casa, quem manda
aqui sou eu... E eu também não quero, não alí, alí é a casa querida da minha
mamis que eu quero visitar rotineiramente.
Eu achava que não tinha crescido
(na verdade eu cresci pouco mesmo cale sua boca), eu pensei que aquele
apartamentão estava a diminuir diariamente. Eu acho que perceber que quem
cresceu realmente foi a gente é o primeiro passo pra procurar seu próprio
espaço. Só agora estou aprendendo a lidar com o rodízio do banheiro e com os o
café da manhã dos namorados de final de semana da minha irmã... Ou eu nunca
aprendi, mas nesse último mês, quando percebi que era fim de temporada nessa
minha vida seriada, eu resolvi parar de brigar em família, relevar, porque
afinal, talvez eles não saibam, não acreditem, não perceberam, eu estou me
despedindo.
É a primeira vez na vida que eu não irei compartilhar tudo que mais
tenho apego com todos que eu mais amo, seja este mês ainda, ou mês que vem e isto
cabe uma dose a mais de paciência. Bem... essa conclusão deveria ser para a
vida toda sempre: O conceito de deixar tudo legal, porque sempre estamos
partindo definitivamente.
Meu pai, minha mãe e a minha
madrasta sempre souberam, muita gente soube antes que eu soubesse de mim... Eu
sempre tive a necessidade de ir embora, “Um espírito livre”, a Lu disse. Eu
sempre quis a minha casa, mesmo que ela tenha 35 metros quadrados, com os meus
desenhos ou não na parede, a minha cama japonesa (?), o meu fogão do pregão e
quem eu quiser que entre a hora que eu quiser. E veja, eu descobri que há de se
abrir mão do dinheiro da balada ou dobrar a carga de trabalho pra continuar
subindo, eu vou morar no terceiro andar.
Para os provincianos que não
entendem que não é só casando que se sai de casa na mesma cidade, estou
dizendo: Tá na hora de crescer e tomar a responsabilidade da existência, daqui
a sete dias ou no próximo mês. Não dá pra morar a vida toda na casa da mamãe e
não dá pra arrumar um marido só pra isso, muito menos pra semana que vem
(Apesar de que eu já tenho toda uma ideia pra uma cerimônia legal), até porque
eu ainda quero escolher tudo tão sozinha quanto morarei.
Tem um diálogo que eu admiro
bastante e é recorrente em minha vida, no qual sou sempre uma observadora, e
que eu absorvo, dizem pro meu pai:
– Sorte sua que o senhor tem uma
escola, porque, se não, ia falir com esse tanto de filho!
– Eu só tenho esse colégio por
causa dos meus filhos... – A resposta é sempre a mesma – Eu tinha que sustentar
uma família com seis crianças e ainda pagar a escola deles. Logo, eu montei uma
escola, porque assim eu podia pagar as contas e ainda me eximia das
mensalidades escolares.
– Eu nunca tinha pensado por esse
viés.
– Pois é... A necessidade faz o
sapo pular.
Meu pai é um homem sentimental,
bem... dizem que eu não sou... Ele me ensina a viver. Quem não arrisca não
petisca, eu vi (vivi) isso a vida toda.
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