sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O Pulo da Gata.


Eu sou aquela que nasceu e não sabia pra quê, mas o mundo avisou, depois que algumas pessoas já tinham percebido. Porque, às vezes, existem aqueles indivíduos ao nosso redor, que normalmente muito nos querem bem, e eles tem a capacidade da percepção, observam em nós aquilo que ainda não nos demos conta.

Quando mudei para o apartamento novo com a mãe e a irmã, o quarto que escolhi media 10 por 10. Era um quartão! Ainda tinha o guarda-roupas embutido, o que me lograva um espaço útil maior ainda. Pintei as paredes, coloquei a cama de casal, troquei a cama por uma de solteiro, uma escrivaninha, uma tinta por cima dos desenhos, duas cores diferentes para as paredes, finalizei com uma cortina preta pro sono de sábado e domingo e do final da tarde. O quarto ficou eu e eu adorava ficar naquele quarto, ele era uma extensão da minha alma bagunçada.

Ocorre que, certa manhã, quando voltei às 4 para tirar o cochilo da tarde, ele tinha diminuído meio metro quadrado. E cada dia que eu chegava, meio metro comido, aos poucos meu quarto atingiu os 4 por 4. Surpresas da vida, um dia cheguei em casa e ele era um corredor entre a escrivaninha e a cama. A escrivaninha tinha virado o balcão da cozinha.

Um domingo, depois de passar o dia na chácara, quando volto para casa, o banheiro tinha entrado dentro do quarto. Meus cremes, minhas maquiagens, meus sabonetes, shampoo e creme dental, que eu sempre escondi as marcas dentro do guarda-roupas, tinham sido engolidos, aquela minha máscara de 250 reais violeta matizadora, para desamarelar cabelos loiros, meu irmão preto e castanho tinha usado metade.

De baixo daquele telhado tudo era engolido, seis anos atrás comeram minha Nutella toda na única prateleira que sobrou no meu corredor entre o balcão da cozinha e minha cama. Daí que acabados os produtos da natura semana passada, comecei a usar o shampoo e o condicionador para cabelos cacheados da minha irmã, era o único que tinha no banheiro e deu um efeito interessante nos meus cabelos lisos. E o Koleston da minha mãe... O creme de barbear do outro irmão pra depilar as pernas mais fácil... Foda-se, eles comeram o pedaço de lasanha que eu trouxe da sobra da festa e eu tô precisando de um brinco... da Vívian.

A gente se desgasta por dentro por essas miudezas do cotidiano e abate o outro, vai ficando complicado viver junto, aí a gente aprende até a parar de reclamar a invasão, ou melhor, começa a maldizer pra dentro, aliás, com o tempo, até começa a deixar de propósito o creme dental melhor na pia e o sabonete íntimo no chuveiro, porque “vá, todo mundo merece um pouquinho de colgate branqueador” e “todas as mulheres dessa casa (que vem diminuindo progressivamente) tem direito a um sabonete refrescante pra xoxota”.

É um amor confuso, um afeto complicado. Não é mais como na infância que todo mundo usava o Neutrox que agora enfeita a janela do banheiro e eu só abro pra sentir nostalgia no nariz. Passou a fase de brigar com os meninos porque estavam queimando acetona no fundo de casa e, na real, achar uma experiência química ‘daora’. Acabaram os bombris queimados a noite e o pique - esconde no quintal, fim bolinho de lama que eu obrigava o Vini a comer. Acabou, mas o amor cresceu, só não cresceu junto o apartamento. Só não veio com os centímetros a mais (não me venha com essa piadinha velha de tamanho again) a certidão de dona da casa, quem manda aqui sou eu... E eu também não quero, não alí, alí é a casa querida da minha mamis que eu quero visitar rotineiramente.

Eu achava que não tinha crescido (na verdade eu cresci pouco mesmo cale sua boca), eu pensei que aquele apartamentão estava a diminuir diariamente. Eu acho que perceber que quem cresceu realmente foi a gente é o primeiro passo pra procurar seu próprio espaço. Só agora estou aprendendo a lidar com o rodízio do banheiro e com os o café da manhã dos namorados de final de semana da minha irmã... Ou eu nunca aprendi, mas nesse último mês, quando percebi que era fim de temporada nessa minha vida seriada, eu resolvi parar de brigar em família, relevar, porque afinal, talvez eles não saibam, não acreditem, não perceberam, eu estou me despedindo. 

É a primeira vez na vida que eu não irei compartilhar tudo que mais tenho apego com todos que eu mais amo, seja este mês ainda, ou mês que vem e isto cabe uma dose a mais de paciência. Bem... essa conclusão deveria ser para a vida toda sempre: O conceito de deixar tudo legal, porque sempre estamos partindo definitivamente.

Meu pai, minha mãe e a minha madrasta sempre souberam, muita gente soube antes que eu soubesse de mim... Eu sempre tive a necessidade de ir embora, “Um espírito livre”, a Lu disse. Eu sempre quis a minha casa, mesmo que ela tenha 35 metros quadrados, com os meus desenhos ou não na parede, a minha cama japonesa (?), o meu fogão do pregão e quem eu quiser que entre a hora que eu quiser. E veja, eu descobri que há de se abrir mão do dinheiro da balada ou dobrar a carga de trabalho pra continuar subindo, eu vou morar no terceiro andar.

Para os provincianos que não entendem que não é só casando que se sai de casa na mesma cidade, estou dizendo: Tá na hora de crescer e tomar a responsabilidade da existência, daqui a sete dias ou no próximo mês. Não dá pra morar a vida toda na casa da mamãe e não dá pra arrumar um marido só pra isso, muito menos pra semana que vem (Apesar de que eu já tenho toda uma ideia pra uma cerimônia legal), até porque eu ainda quero escolher tudo tão sozinha quanto morarei.

Tem um diálogo que eu admiro bastante e é recorrente em minha vida, no qual sou sempre uma observadora, e que eu absorvo, dizem pro meu pai:

– Sorte sua que o senhor tem uma escola, porque, se não, ia falir com esse tanto de filho!
– Eu só tenho esse colégio por causa dos meus filhos... – A resposta é sempre a mesma – Eu tinha que sustentar uma família com seis crianças e ainda pagar a escola deles. Logo, eu montei uma escola, porque assim eu podia pagar as contas e ainda me eximia das mensalidades escolares.
– Eu nunca tinha pensado por esse viés.
– Pois é... A necessidade faz o sapo pular.

Meu pai é um homem sentimental, bem... dizem que eu não sou... Ele me ensina a viver. Quem não arrisca não petisca, eu vi (vivi) isso a vida toda.

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